terça-feira, 15 de junho de 2010
CARTA DE JOÃO DANTAS PARA JOÃO PESSOA
Carta escrita por João Dantas de próprio punho,(com a grafia da época) um mês antes de assassinar no Recife o então presidente do Estado da Paraíba João Pessoa.
Às voltas com um doido
A divulgação desta carta de João Dantas a João Pessoa, publicada originalmente no "Jornal do Commercio do Recife" em 07 de JUnho de 1930.
A João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque
Por mais rídiculo que me pareça na vangloria da tua immensuravel valentia, decantada, todos os dias, pela penna alugada dos teus folicirários, na gazeta official do teu governo; por mais tola que se me afigure a tua presumpção de que, nos esgares da tua fúria de neurasthenico, assombras, meio mundo, eu prefiro, em todo o caso, a tua gravura de actor barato em papel de Napoleão a esse humorismo insulso com que, à ultima hora, quase ao desce do panno, viesse à scena.
Decididamente, Joca, não dás para isso. Não contraries a tua vocação, que é toda para os lances dramáticos. Ella teve o do berço, é dom innato, só a cova t'a arrancará. Não tentes, pois, desvial-a para o circo. Considera, ademais que ainda és presidente e melhor te fica a tragédia do que a truanice.
Com que então, meu palhaço, estás mesmo convencido de que me foi aplicada uma sova na estrada de Mamanguape, por "um matuto, filho de Maria Padilha", que fora surrado, por quatro "cabas", a meu mandado?...
Mas, Joca, deves ter mais escrúpulo em converter, por essa forma, a "A União", que custa tão caro ao Thesouro, em vehiculo de histórias da Caochinha.
D. Maria Padilha, senhora idosa, viuva e a quem não deves tratar assim, de resto, como a qualquer mãe de almocreve, (mesmo porque a estimável matrona é prima do nosso excellente Murillo...) ainda está viva e sã, na Bahia da Traição.
Teve cinco filhos, dos quaes dois nasceram varões. O mais velho, hoje fallecido, o boníssimo camarada Antonio, meu vizinho durante largo tempo naquella povoação, manteve sempre commigo as melhores relações de cortesia. O mais novo, o Francisco, deixou Bahia da Traição, ainda em verdes annos, pssou longa temporada no extremo norte do paiz e voltou áquella praia h´lguns annos passdos, já depois de transferida a minha residência para a capital do Estado. Também desse, que ml conheço, jamais recebi a mais leve offensa s só a tua phantasia inventiva, Joca, poderia crear a lenda de uma surra soffrida por qualquer dos dois, de minha ordem.
Quem teria, então, me dado a sova, tomado o revolver e feito correr em disparada, por aquella maneira jocosa narrda d'A União? Seria madame Manuel Avelino, a filha casada de D. Maria? Ou seri uma das duas senhoritas-mademoisselle Julia ou made moiselle Moça?...
São esses jaez as invençionices que ocorrem ao teu espiríto fútil, João Pessôa, e que se publicam, de tua ordem no diário official do Estado, para empanar o valor dos teus adversários... Nos sustos e tremeliques que te atormentam nas pungentes crises do teu medo, do teu terror Princesa - dessa Princeza da tua insommia, que será o teu eterno pesadelo das tuas noites, dessa Princeza reducto invicto da bravura sertaneja, da qual não ousam approximar-se as tuas tropas e onde, entretanto, todo mundo passeia livremente, nessas maleitas de pânico que te fligem, repito, tu suppões que toda a gente tem os nervos relaxados como os teus e queres que todos os teus inimigos sejm covardes.
Covardes são os Dantas; poldrões são os Suassunas e nã há ninguém mis mofino que José Pereira. Os defensores de Princeza que não passm, segundo dizes, de uns seiscentos e tantos, são todos uns Fujões, não háum só que se aproveite...
Mas quaes serão Joca, os valentes que há mais de cem dias desbaratam em todos os recontros as tímidas vanguardas do teu exercito de três mil homens e desafiam tua raiva impotente?
Onde os bravos contra quae já mobilizaste toda a Força Publica, creaste um novo batalhão, alistaste centenas de civis a 10$000 diários por cabeça, utilizaste cangaceiros vindos de toda parte, recorreste ao corpo de bombeiros e até à guarda-civil.
Que gente sem valia é essa que para atacar precisas prender senhoras, como reféns, preparas carros e carros blindados que não vingam rampas e adquires aviões que não voam e logo no primeiro ensaio dão cabo do piloto?
Porque te esbofas, dia e noite, à cata de munições, e a que vem em cada mez a mudança de commando de militar para civil e vice versa?
Mas toda essa gente é covarde e vive apavorada comtigo... Valente na face da terra, só... o Joca.
Realmente não te faltam feitos de coragem e só necessitas de um biographo, mais pachorrento e desocupado do que eu para que passes à história.
Ahi estão para não falar de outros, os episódios épicos da bengala de Eduardo Pinto,l o de um teu constituinte portuguez, em certo escriptório de advocacia, no Rio de Janeiro, que te fez lépido, rodear uma mesa, junto à qual se achava Duarte Dantas, e o recente, recentissimo, daquella noite indormida, passada em Princeza, em que, nos suores frios de um pesadelo, te suppuzeste trancado a chave por José Pereira, irremediavelmente destinado à sanfria, e deixaste em deplorável estado os alvissimos lençoes de quem tão fidalgamente te hospedára.
É tempo de ires pondo de lado esses arroubos de valentia de que nunca deste mostras antes de te encarapitares nas immunidades de presidente.
Deixa-te disso, mesmo porque, para esses desabafos literários pela tua gazeta arvorad em pelourinho da reputação alheia, tu não tens fôlego. Os teus escriptos são como os teus discursos: não há excerto, ou póda que lhes dê jeito. Para os teus solecismo não conserto possível e ninguém será capaz de acertar em passo choreográphico a dança macabra dos teus pronomes.
Se ainda te voltas, num intervallo das tuas crises, um pouco serenidade e lucidez, relê as collecções do teu pasquim e constata, horrorizado, a autobiographia que nos vaes deixando.
Pessoas tidas no melhor conceito, altos funcionários federaes, familias das mais ilustres e tradicionais do Estado, todos enfim, que incorrem no teu rancor, são ali cobertos dos mais soazes baldões.
No mais frívolo comentário do orgam official do Estado, posto a serviço dos teus desabafos este é um infame, aquelle um biltre, aquell'outro um patife.
Mas tu, que menospreza a tal extremo a dignidade alheia; tu, que atiras diariamente injurias collectivas visando famílias inteiras; tu que em linguagem de arrieiro, no calão mais reles, passas descompusturas mesmo q pessoas que não conheces serás outra coisa que não um biltre, um patife?
De mim, dizes que sou um "aventureiro", um "scelerado"? um "miserável" um "bandido"...
Não necessito defender-me de injurias tão vis, num meio onde sou conhecido e onde tenho conceito firmado que desafia toda a virul¨^encia.
Pergunto-te, no entanto, se conheces aventureiro mais sem escrúpulos, scelerado mais horripilante, miserável mais repulsivo, bandido mais completo do que tu, que tentas-te matar o teu próprio pae, na casa paterna?
Sou ainda no teu dizer um ladrão. Chegas-te a indicar o furto que me attribuis, o de um chapéo de manilha pertencente ao deputado Pedro Firmino...
Também não me defenderei dessa vilta, digna somente de ti. Nem sequer publicarei a carta que me dirigiu em 1912. Dr. Pedro Firmino, mandando-me o seu vehemente protesto quando um vilão como tu deu curso a essa invencionice.
Outro ladrão, ainda ao que ousas dizer, é o meu venerado pae, a quem vilmente insultas e calunias, afirmando que atacou a cidade de Patos para roubar.
No archivo competente, deve existir o inquérito mandado instaurar contra os revolucionários de 1912, por um governo contra o qual se bateram. E as provas colhidas pelo digno e integro magistrado que presidiu esse mesmo inquérito, como chefe de policia em commisão, valeram pela melhor defesa ao procedimento desses rebeldes.
Em manifesto publicado n' "A Provincia", desta capital, logo depois de verificada a intervenção federal que poz fim à luta, assumiu Franklin Dantas a responsabilidade integral desse movimento armado, coragem e altivez que outros n4ao tiveram.
Nenhum dos seus adversários se atreveu a contradictal'o, ninguém lhe irrogou a mais leve censura.
Agora passados dezoito anos, apparece tu, João Pessoa, e lhe atiras a pecha de ladrão.
Mas, João "guitarra" podes tu, acaso, pronunciar esse vocábulo?
Ladrão és tu, ostra de ministérios, aristim de repartições federaes, no exercicio infrene da tua desbragada advocacia administrativa; ladrão és tu, magistrado cavador e negocista que mal despias a toga de ministro do Supremo Tribunal Militar, sobraçavas a pasta dos gordos negócios da Parayba; ladrão és tu, juiz-corretor, de contas confusas e parcellas inextríncaveis de 368.000$000; ladrão és tu, administrador sem escrupulos, que abarrotas as algibeiras fraternas, com o monopólio dos contactos pingues e engenhocas concorrênciais; tu, sim João "Guitarra" é que és um ladrão.
De onde veio a tua grande fortuna?
Explica-a, beneficiário da herança de José Heronides.
Ganhaste-a porventura, na advocacia honesta, bcharelete das duzias, senão das grossas?
Agora, à vontade Joca! Desaçaima, de vez a cainçalha faminta dos teus pasquins, augmenta-lhe as rações, açula-a quanto puderes e atira-a, toda, de dentuça a mostra, aos meus tacões.
Toma, entretanto, um conselho salutar. Raspa logo o Thesouro esse resto de cobres que por lá existe, se é que já não o fizeste, queima sem demora o "ultimo cartucho", ainda que o dispares para o ar, e vae seguindo para o Rio.
Porque se ahi permaneceres, com semelhantes crises de nervos, irás, na certa, em qualquer destas luas fortes de Junho, dar com o costado no "Juliano Moreira".
Então adeus vidoca feliz de ministros, adeus corretagem e negocios gordos.
E que ditador, que grande ditador perderia o Brasil...
Recife, 6 de Junho de 1930
João Duarte Dantas
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