segunda-feira, 24 de maio de 2010

FICHA LIMPA DEVE VALER JÁ E PARA TODOS



Por Maurício Rands
para o Acerto de Contas




A aprovação do projeto-de-lei do ficha limpa demonstra que a iniciativa popular de mais de 1,6 milhão de assinaturas tem efeito no Congresso. A mobilização da sociedade pela depuração da qualidade da representação política pode promover outras mudanças que diminuam a corrupção e a falta de nitidez programática. Pena que o texto dos Deputados José Eduardo Cardoso e Flávio Dino tenha sido modificado por emenda do Senador Dornelles, que trouxe dúvidas sobre o alcance da lei.

A mudança da expressão “que tenham sido condenados” pela nova redação “que forem condenados” parece ser golpe semântico capaz de mudar o conteúdo votado na Câmara. Pode dar ensejo à interpretação de que ficam inelegíveis somente os que vierem a ser condenados por órgão colegiado judicial depois da vigência da nova lei.

A interpretação não procede, todavia.

Uma comparação com a norma que exige a reputação ilibada para nomeação de ministro do STF (art. 101, CF/88) pode ilustrar. Uma nova constituição significa a fundação de um novo ordenamento jurídico. A nomeação de alguém que tenha praticado ato desabonador antes da vigência da norma seria válida?


Como a reputação se constrói ao longo do tempo, é lógico que esta nomeação está vedada pelo art. 101 da CF/88, mesmo que a vigência do preceito tenha sido posterior ao ato desabonador. É que o exame dos requisitos para a nomeação é feito na data da nomeação. Tal como ocorre com o servidor público: os requisitos são os da data da investidura no cargo.

Tome-se agora o caso da lei do ficha limpa, que altera a Lei Complementar 64, a das inelegibilidades. A ideia da nova lei foi dizer quais são os requisitos para um candidato se registrar. Esses requisitos são os ditados pela lei vigente à data do registro, no caso, 05 de julho.

Por isto, não cabe dizer que aplicá-la aos que já tenham sido condenados seria aceitar a retroatividade em prejuízo do candidato. Retroativid ade proibida ocorreria se uma lei aprovada depois de julho criasse nova inelegibilidade e pretendesse tornar inelegível o candidato já registrado em julho. Daí ser indiferente se a expressão da lei ficha limpa será “os que já tenham sido condenados” ou “os que forem condenados”. A condenação necessariamente tem que já ter ocorrido para alguém ser reputado inelegível (à luz da lei da data do registro). Ninguém pode ser inelegível por uma condenação que ocorrerá no futuro.

Por outro lado, também não existe retroatividade prejudicial pelo simples motivo de que o PL ficha limpa não dispõe sobre direitos na esfera do Direito Penal ou Civil. As condenações por responsabilidade criminal ou civil não serão alteradas. Aí sim haveria retroatividade vedada pelo direito. O PL ficha limpa diz respeito tão somente a direitos políticos, que serão exercidos no futuro, já na vigência da nova lei.

Finalmente, o PL Ficha-limpa vale desde já por outra razão. Não se trata de processo eleitoral sujeito ao princípio da anualidade previsto no art. 16, CF. Não trata de prazos, ou de critérios de alocação de vagas, ou de regras de coligação, por exemplo. Trata, através de modificação da LC-64, de ‘proteger a probidade administrativa, [e] a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato’ (par. 9o., art. 14, CF). Fixa requisitos que vão informar o direito do cidadão a se candidatar. Um direito que será exercido em 05 de julho, nos termos da lei de inelegibilidades que então estiver vigorando.


Mauricio Rands é deutado federal

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