sábado, 24 de julho de 2010

DESABAFO DA FILHA DE UM POLICIAL


Cresci vendo meu pai ostentar a camisa preta com letras amarelas da Polícia Federal. Nesses 14 anos nos quais ele está trabalhando no Departamento, sempre percebi o quanto ele se orgulha de ser policial federal. Mas não consigo deixar de perguntar: será que a Polícia dá a ele um valor recíproco?



Meu pai, às vésperas de completar 40 anos, é um homem diferente da maioria. Pelo menos dos outros pais de amigos e amigas que conheço. Tem uma vida saudável. Nunca usou bebidas alcoólicas, nunca fumou. Sempre foi atleta. Corre, nada, treina artes marciais, coisa na qual, inclusive, me influenciou e que fez com que eu, aos 16 anos, esteja prestes a me tornar faixa preta em Taekwondo.



O que teria levado meu pai, então, à emergência de um hospital cardiológico, com fortes dores no peito (“angina”, acho que foi o nome dado) e pressão descontrolada? Logo ele, que todos no trabalho dizem ter criado a “Resolvedoria” da delegacia, ajudando a todos de forma indiscriminada? A pessoa que mais ouve e tenta fazer com que a Polícia Federal tenha uma boa imagem em sua parte que atende as pessoas de bem, não resistiu a tudo o que gira em torno dele e acabou sendo obrigado a fazer uma pausa. Uma parada obrigatória, motivada pelo diagnóstico de todos os três cardiologistas que visitou nesses últimos dez dias: altíssimo grau de stress.





Quantos deles precisarão cair para que o mundo compreenda que a instituição não cumpre o seu papel junto aos seus servidores? Porque todos os meus colegas de escola consideram a Polícia Federal “sinistra”, acima do bem e do mal. E isso é uma idéia que eles trazem de suas casas. Então por que o descaso com as necessidades dos seus funcionários?



Meu pai costuma elogiar muito a atenção que recebe de seu superior imediato. Diz que é um homem de boa vontade e justo. Mas também comenta que esse mesmo superior fica sempre de mãos atadas, impedido de suprir, apenas com a sua vontade, as reais necessidades de todos os setores da delegacia.





Fala também, sempre de forma triste, da falta de horizontes para agentes da mesma classe que ele. Agentes especiais, com vários anos de trabalho pela frente, ainda. Para mim, prestes a entrar na Universidade, é difícil acreditar que até o final de sua carreira, ele e seus amigos não serão promovidos a mais nada, dentro de seus cargos. Que espécie de motivação faz com esses policiais caminhem para frente?





Como o meu pai devem existir vários. Na própria delegacia onde ele trabalha, um colega dele, que entrou na mesma época, teve um infarto há pouco tempo. Para que? Por que? Os olhos do meu pai já não brilham como antes. Ele já não sorri da mesma forma, quando o assunto é Polícia Federal. Seu orgulho parece ter se perdido com o tempo. E agora, depois dessa queda, ainda mais. Imaginem um homem ativo e disposto, passar a ficar 90% do tempo na cama, sem vontade de nada e dormindo à base de tranqüilizantes. Ruim para quem lê, pior para mim, que vejo isso diante dos meus olhos.





*Thayná Valentim Araujo é filha do Agente de Polícia Federal Sandro Araujo, lotado na Delegacia de Niterói/RJ.




Fonte: Agência Fenapef

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