quarta-feira, 25 de agosto de 2010
O PARAIBANO MANOEL RAFAEL DE CARVALHO
O ator Manoel Rafael de Carvalho é descendente do mais antigo ramo familiar da sua terra natal. Seu primeiro ancestral a chegar à Paraíba, em 1592, também se chamava Rafael de Carvalho. Ele veio de Portugal em companhia do Capitão-Mor (Governador) Feliciano Coelho. Em 1619, recebeu a sesmaria de nº 13 e foi dentro dela que, muitos anos depois, foi edificada a cidade. Assim, esse antigo Rafael de Carvalho foi o primeiro branco a se apossar e a povoar as terras de Caiçara. Atualmente, o ramo “Rafael de Carvalho” não é mais encontrado em Caiçara, permanecendo, no entanto, parentes nas famílias “Barbosa de Carvalho”, “Alves de Carvalho” e outros “Carvalho”.
Voltando a falar do nosso homenageado, ele nasceu em 16 de fevereiro de 1918, no Sítio Pedra Tapada, em Caiçara. Seu pai era Francisco Rafael de Carvalho e sua mãe Maria Alves de Carvalho, conhecida por “Rosa”. Além de Rafael, o casal teve, pelo menos, mais três filhos: José, Terezinha e Pedro, os dois primeiros vivem respectivamente em Goiania e Brasília e o terceiro é falecido. Em meio a uma implacável seca que assolou a região entre os anos de 1932 e 1933, Rafael foi embora de casa aos 14 anos, escapando da fome pela qual passavam seus pais, pobres agricultores. Após trabalhar de enxada e tocar jumentos, foi servir ao Exército em Pernambuco. Lá enquanto tocava um samba durante o plantão, foi descoberto como artista, tendo sido aconselhado pelo maestro da banda de música a estudar canto.
Aos 19 anos de idade Rafael foi dispensado pelo Exército e ao invés de voltar para a enxada na Paraíba, foi tentar ganhar a vida com o seu talento em Salvador, em 1937. Na capital baiana, ia se virando como podia, foi cantor de igreja, protético e muito mais. A cada dia, ele se identificava cada vez mais com a cultura popular, com os folhetos de cordel e com as danças e representações tradicionais, como o Bumba-meu-boi. Rafael venceu vários festivais interpretando poemas de sua autoria, o principal foi o premio maior de poesia da Academia de Letras da Bahia, com um poema em homenagem ao centenário do nascimento de Castro Alves – prêmio que quase não pode receber por não ter um terno para ir à solenidade de entrega. Foi na Bahia também que escreveu suas duas primeiras peças teatrais, tendo uma delas o título “Broacadabra”. Sua guinada para a fama, no entanto, se deu após a participação no programa do humorista Zé Trindade, onde se apresentou como calouro e ganhou um concurso. Em 1947, foi para o Rio de Janeiro e estreou sua carreira profissional.
Sua primeira participação no cinema foi no filme “Dominó negro”, de 1949. Nove anos depois Rafael voltou às telas com uma com participação no filme “Aguenta Rojão” (1958), daí em diante, sua carreira como ator de cinema se consolidou com participações em filmes como: “Cacareco vem aí” (1960), “Um Candango na Belacap”(1961), “Terra em transe”(1967), “O Homem nú”(1968), “Macunaíma”(1969), no papel de Currupira, “A um pulo da morte”(1969), “Chegou a hora, Camaradas!”(1969), “Cômicos e mais cômicos”(1971), “O Doce esporte do sexo”(1971), “O Sítio do Picapau Amarelo”(1973), “O trapalhão na Ilha do Tesouro”(1975), “As aventuras amorosas de um padeiro”(1975), “Ana, a libertina”(1975), “Fogo Morto”(1976), “Crueldade mortal”(1976), no papel de João Vigia, “A noiva da cidade”(1978), “Gargalhada final”(1979), no papel de dono do circo; “Eles não usam Black Tie”(1981), “O Homem que virou sco”(1981), “O Menino Arco-íris” e “O Baiano Fantasma”, de Denoy de Oliveira, no papel de Chico Peixeira. Estes dois últimos filmes foram lançados após a sua morte, respectivamente, em 1983 e 1984.
Com sua voz possante e um rosto gorducho que mal deixava ver seus pequenos olhos, Rafael também se imortalizou na televisão. Primeiro participou do Coral dos Bigodudos, na extinta TV Excelsior, depois se destacou em papéis como o do prefeito Torquato, de “Chico City” (programa de Chico Anysio), no papel de Emiliano Medrado de “O Bem Amado” (1973), do Coronel Coriolano Ribeiro da novela Gabriela (1975) e do Cazuza de “Saramandaia”(1976), atuou também no especial “Vida, Vida”(1977), todos pela TV Globo. Na TV Bandeirantes, participou da novela “Cavalo Amarelo”, no papel de Viriato, ao lado de Dercy Gonçalves, em 1980; e também, de “Rosa Baiana”(1981), como Edmundo Lua Nova, chefe da família principal da trama. Na TV Rio interpretou o “Capacidade” no programa “Noites Cariocas”. Participou ainda da primeira versão de Roque Santeiro que começou a ser gravada em 1975, mas a censura do governo militar a proibiu de ir ao ar. Rafael interpretava o bandido Trovoada, que na versão de 1985 passou a se chamar Navalhada e foi interpretado por Osvaldo Loureiro.
O caiçarense também conquistou seu espaço no meio musical. Em 1951, a cantora Ademilde Fonseca, uma das grandes vozes da Era do Rádio, tida como a “Rainha do Choro”, gravou uma música composta por ele chamada “Arrasta-pé”. No mesmo ano a cantora Belinha Silva gravou “Piaba”, um côco de sua autoria. As gravações levaram Rafael a assinar contrato com a gravadora Todamérica, pela qual lançou três compactos entre 1952 e 1954, com as faixas: “Chô chô Canarinho”, “Irapuru”, “Adeus Caiçara”(uma bela canção rancheira, em homenagem a sua terra natal), “Sanfoneiro Malaquias”, “A Casinha do monte”, “Borborema”. Depois, contratado pela Columbia, gravou mais dois compactos (1960/1961), com as faixas “Capacidade”, “Eu sou o Zé”, “É só côco” e “Rolando o côco”. Em 1962, participou do LP “O Povo Canta”, com a música “Grilheiro vem, pedra vai”. Esse disco teve por objetivo arrecadar fundos para a construção do teatro do Centro Popular de Cultura da UNE. Com o golpe militar, foi retirado de circulação por ser considerado “material subversivo”. Rafael participou também do LP “Brincando o Carnaval”. Em 1971, lançou o LP “Boi da Paraíba” e, em 1973, em parceria com o artista Wilson Aguiar, conhecido por “Cheiroso”, por ser um vendedor de perfumes no estado do Ceará, produziu o LP “Emboladas, côcos e desafios”. Sua última participação foi no LP “O Melhor da música regional do Norte e do Nordeste” (1975).
Entre as características marcantes de Rafael estavam a sua identificação com o folclore, com a cultura popular e seu engajamento nas causas que acreditava. A maior conquista do seu empenho se deu em 1968, quando um movimento encabeçado por ele conseguiu a fundação do Centro de Estudos Folclóricos Edson Carneiro, atual Museu do Folclore do Rio de Janeiro. Como escritor e pesquisador do folclore, lançou em 1971 o livro “Boi da Paraíba” acompanhado do LP de mesmo nome, ambos homenageando este importante folguedo popular que o próprio Rafael levou para a então Guanabara. Ainda na seara da cultura popular, não podemos esquecer a atuação de Rafael como cordelista. Autor de vários títulos como “Satanás está soprando as brasas da usina”; “Dá-lhe povo”, em prol dos candidatos do MDB, em 1978, no mesmo ano alguns de seus versos foram reunidos no seu 2º livro intitulado “Quadra e Quadrilha”. Ainda em 1978, ele foi um dos destaques do Congresso de Poetas da Literatura de Cordel, em Brasília, ao lado de autores como Alberto Porfírio e “Mestre Azulão”. Em tempos de ditadura militar, eram raros os que tinham coragem de escreverem de forma crítica. Assim Rafael de Carvalho e Paulo Nunes, se destacam usarem o cordel como uma literatura de resistência. Chamou atenção o poema que ele escreveu, em 1980, em homenagem a Manoel Fiel Filho, um dos muitos que desapareceram nos porões da ditadura.
A atriz Sandra Barsotti, lembra uma curiosa passagem quando atuou com Rafael no especial “Maníacos Eróticos”, ela fazia o papel de uma dona de casa mandona e ele era o marido. Mesmo na ficção, Rafael fazia a maior confusão para aceitar receber ordens de uma mulher, revelando seu lado machista.
Em 1977, criou e estrelou o espetáculo “É Muito Socó pra um Socó Só Coçar”. Explicando para a platéia que socó significava uma espécie de ave que despertava o interesse dos folcloristas, ele conduzia o espetáculo com uma inusitada comunicação e as gargalhadas não paravam. Foi com este espetáculo que Rafael se apresentou pela última vez em Caiçara, o espetáculo se deu no Clube Recreativo (Babysom), provavelmente em 1980, e foi inesquecível para todos que prestigiaram. Em suas últimas visitas à cidade se hospedava na casa de D. Maria Carneiro.
Manoel Rafael de Carvalho faleceu de enfarto aos dias 03 de maio de 1981, perto da Praia de Itapuã, em Salvador, Bahia. Duas ruas levam o nome do artista, uma em São Sebastião/SP e outra em Itanhangá/RJ, que levam seu nome.
Autor: Professor e historiador Jocelino Thomaz
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