sábado, 7 de agosto de 2010
A FRAUDE DA URNA ELETRÔNICA
Paulo Gustavo Sampaio Andrade
advogado em Teresina (PI), especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Advocacia do Piauí
O Brasil foi o primeiro país do mundo a informatizar totalmente o processo eleitoral, e ainda é o único. Mas a urna eletrônica brasileira, tal como está, representa, sob a aparência de um pioneirismo tecnológico, um retrocesso na instituição democrática do voto. Foram desprezados procedimentos de segurança eletrônica, bem como diversas garantias jurídicas do eleitor que já existiam na urna convencional.
Apesar de a primeira votação com a urna eletrônica ter ocorrido há quatro anos, pouco ou nada se questionou acerca de sua segurança desde então, ao menos na grande imprensa. Na Internet, o Fórum do Voto Eletrônico (www.votoseguro.org), do qual participam especialistas em informática, advogados, jornalistas e público em geral, tem feito análises científicas sobre a segurança da urna eletrônica, e chegado a conclusões preocupantes.
É inegável que a urna eletrônica evita a maioria das fraudes, principalmente aquelas amadorísticas, feitas com papel e caneta, nas quais urnas eram "engravidadas" com cédulas falsas, ou votos em branco eram desviados para certos candidatos. Contudo, a votação totalmente digital deixou abertas brechas para novos tipos de fraude, estas profissionais, com repercussão muito maior e, o que é pior, totalmente indetectáveis.
Ao votar, o eleitor vê na tela da urna o nome e o número do candidato, e depois confirma. Mas um programa malicioso escondido na própria urna pode fazer com que o voto guardado na "memória" da urna seja diferente do que foi visto na tela. Pode-se, por exemplo, fazer inserir nos programas da urna um comando para que, a cada quatro votos para um candidato, um seja desviado para outro candidato. Pior: este programa de desvio de votos pode ser programado para se autodestruir, sem deixar vestígios, às 17 horas do dia da votação, tornando inócua qualquer verificação posterior nos programas da urna.
E você sabia que, caso um partido político, por algum motivo, venha a pôr em dúvida o resultado de qualquer urna, é tecnicamente impossível fazer uma recontagem dos votos? O máximo que poderá ser feito é simplesmente imprimir novamente os dados que já foram impressos anteriormente. Ao contrário do voto convencional, no qual a fraude sempre deixava algum vestígio, o voto eletrônico permite a existência da fraude perfeita.
O Fórum do Voto Eletrônico apontou uma solução bastante simples para permitir a auditoria das urnas. Bastaria que fosse impresso um comprovante de voto, que possa ser conferido visualmente pelo eleitor e depois depositado automaticamente numa urna convencional própria anexada à urna eletrônica, sem necessidade de manuseio. Assim, cria-se uma contraprova posterior em caso de dúvida, para fiscalização ou recontagem.
Outro problema encontrado é a possibilidade técnica de violação do voto secreto, pois, sem necessidade alguma, o terminal onde se digita o número do título de eleitor fica ligado à urna. Bastaria a desconexão entre o terminal e a urna para eliminar este risco. É uma alteração tão simples que o TSE sequer comenta o assunto.
Estas duas idéias foram adotadas por um projeto de lei de autoria do senador Roberto Requião (PMDB), que se encontra em discussão no Senado, contra o qual, porém, o Tribunal Superior Eleitoral vem empregando ferrenha resistência, não se sabe a que pretexto.
Alega o TSE que os programas das urnas são auditados pelos partidos, e foram por eles aprovados. Em verdade, os programas foram disponibilizados por apenas 5 dias, para análise dentro do próprio prédio do TSE, tempo e local inadequado para qualquer verificação. Além do mais, os programas também não foram disponibilizados integralmente, ora sob alegações de segurança, ora sob a justificativa de supostos direitos autorais. Ora, se existe uma parte que não é conhecida, frustra-se todo o processo de auditoria: não se pode aprovar o que não se conhece por completo. E quem conhece informática sabe muito bem que o fato de um código ser aberto não implica em que seja inseguro, muito pelo contrário!
E mais: parte deste "código secreto" é elaborado por um órgão da ABIN (ex-SNI), órgão diretamente ligado ao Executivo federal. Algo como se a NSA ou a CIA fosse responsável pela eleição norte-americana. Há ainda programas que são criados por empresas privadas e outros órgãos públicos, que não estão sob o controle direto da Justiça Eleitoral.
Por fim, o próprio TSE admite que os programas das urnas são alterados entre o exíguo prazo de "fiscalização" pelos partidos e a data das eleições. Além do mais, quem garante que todas as urnas do Brasil (são 320.000 seções eleitorais, em mais de 5.000 cidades) possuem todas os mesmos programas instalados?
Resposta: a garantia é a palavra do TSE: "nós garantimos que a urna é segura". Ora, a democracia de uma Nação não pode se basear apenas na palavra da Justiça Eleitoral. Estamos numa situação em que não temos mais o direito de saber o que acontece com o nosso voto, pois somos obrigados a depositar na "caixa preta" chamada de urna eletrônica, além de nosso voto, uma confiança cega, total e irrestrita na honestidade da Justiça Eleitoral e de todas as pessoas envolvidas na confecção da urna eletrônica e de seus programas.
Não se afirma aqui que já houve fraude nas eleições eletrônicas ou que os desenvolvedores da urna desejem sinceramente que ela aconteça, embora possam com ela estar contribuindo por excesso de confiança. O objetivo é de apontar soluções para que os avanços técnicos proporcionados pela computação sejam utilizados em prol da segurança do voto, viga mestra da democracia.
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NOTA DE ATUALIZAÇÃO DO AUTOR (em 12/10/2009)
Em outubro de 2009, entrou em vigor a Lei 12.034/09, que exigirá a impressão do voto a partir de 2014. Trata-se de uma conquista histórica dos defensores da auditoria dos votos de forma independente do software da própria urna.
Apesar do lobby contrário da Justiça Eleitoral, o presidente Lula não vetou o projeto aprovado pelo Congresso. A luta da sociedade agora deve ser no sentido para evitar que o TSE, sob o pretexto de supostos defeitos técnicos da impressão do voto, consiga revogar o novo dispositivo legal antes que ele seja colocado em prática.
É a segunda vez que o Congresso aprova uma lei obrigando o voto impresso. A primeira lei foi aprovada em 2002, para entrar em vigor em 2004, mas foi revogada em 2003, graças à interferência direta da Justiça Eleitoral. Para tanto, o TSE chegou a implantar o voto impresso em algumas cidades em 2002, mas deliberadamente adotou algumas práticas inadequadas, só para depois alegar que a tentativa não deu certo. Teme-se que o TSE faça o mesmo desta vez, ainda mais porque a nova lei só entrará em vigor em 2014.
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